terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

[Guzayo~Parte~2]

As montarias ignoravam o terreno molhado e a chuva ininterrupta. Ainda que a estrada estivesse molhada e suas curvas formassem uma tênue linha entre a montanha e sua encosta, não era possível diminuir o passo. O tempo urgia, era preciso correr.

O povo guzayo tinha a predileção por chocobos. Eram criaturas extremamente bem adaptadas ao clima desértico, precisando de pouca água e comendo tudo que se move, logo foram incorporadas as aldeias e caravanas. Suas potentes patas são capazes de grandes revoluções em combate e extrema estabilidade em qualquer tipo de terreno. Tanto para perseguições, quanto para o dia a dia, essas grandes aves são a principal forma de locomoção deste povo.

À medida que desciam a montanha, aproximavam-se mais e mais da sinistra floresta de Tumss. As árvores começavam a se tornar mais comuns, variando no tamanho e aumentando sua quantidade. Abrandando assim as poderosas rajadas de vento que os castigavam. Com o passar do tempo, cidade de Madeena era transformada aos poucos em um pequeno candelabro bruxuleante, pregado no topo da soturna montanha.

Densa e misteriosa, a floresta de Tumss era o lar de belezas e abominações dignas das histórias contadas para crianças na hora de dormir ou cantadas por bardos para forasteiros e nobres entediados. A trilha formada pelo constante vai e vem de pessoas acabou virando uma estrada informal, apenas a grama pisada apontava o caminho de outros que foram bem sucedidos em sua travessia.

Assim como um adulto que abraça uma criança, a comitiva foi cercada por todos os lados da trilha pela floresta. Suas árvores altas atrapalhavam qualquer claridade significativa de entrar, deixando pesados os pingos de chuva salpicar nos ombros e no chão. Uma perturbadora e constante sinfonia que os ocultava nas sombras, mas os atava de qualquer ataque surpresa.

- Atenção senhores, estamos em um terreno potencialmente hostil. Fiquem em formação, não saiam da trilha e qualquer movimentação suspeita reporte a todos! – Disse o capitão de forma preocupada, a floresta a noite era um desafio e tanto.

Dentro desta nova perspectiva, parte do grupo encontrava-se em um dilema, acender algo ou continuar confiando em seus instintos treinados. A floresta poderia estar parada com a forte chuva ou apenas aguardando a oportunidade para um bote fatal.


- Não gosto daqui no claro, imagine a noite. Comentou em voz baixa consigo mesmo um dos soldados do flanco esquerdo.
- Até as feras dormem filho - respondeu o líder da comitiva que ia a frente, formando um losango, enquanto ajeitava o escudo no braço.

Oculto pelo capuz, o velho mergulhado em pensamentos conjecturas, acompanhava tudo com pouca atenção enquanto toda a comitiva avançava de forma ligeira, alerta entre as árvores e a parede de sombras que seus galhos construíam.

Esse silêncio não é normal para esta parte da floresta, está tudo parado demais. Estamos muito dentro da mata para tamanha calmaria.

Não demorou muito para o grupo entrar na região de uma enorme clareira que surgia gradualmente. Com árvores antigas tombadas e que por conseqüência, derrubaram mais algumas outras que estavam na proximidade. Abrindo assim uma tampa para o céu. A chuva agora mais branda fazia do lugar um alento, uma dose de oxigênio para um mergulhador já extenuado de um longo mergulho nas sombras.

- Como é bom voltar a tomar chuva! - falou o jovem soldado que antes reclamara da floresta, levantando a viseira de seu elmo prateado com ornamentos azuis.
- Ver as nuvens já é um prêmio dentro desse mundo escuro - comentou a jovem arqueira atrás do velho.
- Silêncio! Algo estranho aconteceu aqui. Essa clareira não existia até dois dias quando passamos! Comentou em tom sério o capitão.

Estava oficialmente instaurado um estado de alerta em todos. É necessária muita força para derrubar uma árvore sem cortá-la, o que dirá de fazer uma clareira. Seja lá quem fossem os responsáveis por tal feito monstruoso, poderiam estar despertos e nas redondezas.

- Sigamos, não é hora de investigar nada. Independente de quem fez isso, não é de nossa alçada. Disse em tom de aviso ao capitão um dos soldados que seguiam com ele na dianteira.
- O que o senhor acha Mestre? - perguntou um dos soldados.
- Que seu amigo está certo. Vamos!

Mal a frenética caminhada iniciou-se e a clareira acabara de ficar para trás como a lembrança de um agradável dia de verão frente a penumbra implacável que os cercavam, os salpicos de chuva já eram desprezíveis. Talvez pelo costume ou pela perda de vigor da tormenta.

Todo o grupo parou em choque quando o enorme e dominador rugido de um trovão os surpreendeu pela retaguarda. Os peco-pecos deram um leve salto de susto, alguns guardas encolheram-se protegendo a cabeça.


- Homens, isso é apenas um trovão! Disse de forma dura o capitão.
- Sem raio? Perguntou uma das arqueiras.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

[Guzayo~Parte~1]

                Tudo estava parado na cidade de Madeena enquanto o temporal castigava os telhados e os que ousassem desafiá-lo. O vento caprichosamente dava de tempos em tempos o seu silvo gelado sobre as casas. Das calhas escorriam a água que caia com vigor, goteiras teimosas castigavam os ouvidos mais atentos com suas pancadas constantes em superfícies ocas.  A cidade agora era um mundo de janelas fechadas que mostravam vultos de seus habitantes enclausurados, escondidos da tormenta e aliviados por terem sua rotina alterada.

                Em determinado ponto da cidade, uma grande casa com muros altos, portões no lado leste e oeste e um belo pátio central descoberto, cercado por uma varanda em todo o seu perímetro, destacava um o belo chafariz em forma de hexagonal. Sentado confortavelmente em sua cadeira, protegido da chuva pela sacada e do vento pela arquitetura, uma figura de barba longa e grisalha fumava silenciosamente com seu cachimbo azul celeste, contrastando de forma sutil com sua pele roxa. Afundado em seus pensamentos, sem nenhuma pressa, o tempo para ele dava a impressão de ter parado.

                Espero que eles estejam vendo os mesmos sinais que eu.

                Tirou seu capuz com uma das mãos, revelando ter apenas um enorme olho verde no meio do rosto no tamanho de uma bela toranja, a fim de aproveitar o frescor que a chuva trazia e somado ao conforto do ambiente, deu-se ao luxo de fechar o olho e respirar o tão fundo quanto suportava. Nascia assim o rascunho de um sorriso em seu rosto muito marcado por rugas.

                Toda a calma foi levemente quebrada com o delicado e crescente barulho de passos que vinham em sua direção. O olfato e a sensibilidade do velho nunca o enganara na juventude e não seria desta vez que o trairia.

- O que houve minha neta? – perguntou o velho ainda com os olhos fechados.
- Meu avô, estamos prontos. - Respondeu a menina que não passava dos 17 verões.
- Assim que terminar aqui partiremos. – Disse virando-se novamente para frente, dado um longo trago no cachimbo e abrindo os olhos para voltar a realidade.

                Soltando uma grande nuvem de fumaça pela boca, mal via o outro lado do pátio quando começou a se levantar, com chuva ou sem chuva, era hora de partir.

                Que Ovunguzayo nos guie.

                Esperando por ele, uma comitiva de cinco machos e três fêmeas postados ao lado de grades aves de plumagem amarelada. Não era difícil entender que se tratavam de guardas. Mesmo usando grossos mantos azuis para afastar suas roupas da chuva, era possível perceber que vestiam armaduras. Suas montarias possuíam bolsas com suprimentos nas laterais, não demonstravam nenhum tipo de agitação com a forte chuva que caía e seus constantes trovões.

- Todos a postos! – Bradou com voz agitada a soldado, que avistou primeiro o senhor passando com passos determinados em direção ao líder da comitiva.
- Mestre! – Disse o capitão, colocando-se em posição ereta frente ao seu superior.
- Vamos, não temos muito tempo. A viajem é longa demais para despedidas. – Falou enquanto subia no lombo do animal que gentilmente abaixava-se para o velho.
- Abram os portões! – Gritou o soldado tentando esconder a euforia.



Assim, partia a comitiva. No meio da forte tempestade, na calada da noite. O turno do pesadelo começara.