Tudo estava parado na cidade de Madeena
enquanto o temporal castigava os telhados e os que ousassem desafiá-lo. O vento
caprichosamente dava de tempos em tempos o seu silvo gelado sobre as casas. Das
calhas escorriam a água que caia com vigor, goteiras teimosas castigavam os
ouvidos mais atentos com suas pancadas constantes em superfícies ocas. A cidade agora era um mundo de janelas
fechadas que mostravam vultos de seus habitantes enclausurados, escondidos da
tormenta e aliviados por terem sua rotina alterada.
Em determinado ponto da cidade,
uma grande casa com muros altos, portões no lado leste e oeste e um belo pátio central
descoberto, cercado por uma varanda em todo o seu perímetro, destacava um o
belo chafariz em forma de hexagonal. Sentado confortavelmente em sua cadeira, protegido
da chuva pela sacada e do vento pela arquitetura, uma figura de barba longa e
grisalha fumava silenciosamente com seu cachimbo azul celeste, contrastando de
forma sutil com sua pele roxa. Afundado em seus pensamentos, sem nenhuma pressa,
o tempo para ele dava a impressão de ter parado.
Espero
que eles estejam vendo os mesmos sinais que eu.
Tirou seu capuz com uma das mãos,
revelando ter apenas um enorme olho verde no meio do rosto no tamanho de uma
bela toranja, a fim de aproveitar o frescor que a chuva trazia e somado ao
conforto do ambiente, deu-se ao luxo de fechar o olho e respirar o tão fundo
quanto suportava. Nascia assim o rascunho de um sorriso em seu rosto muito
marcado por rugas.
Toda a calma foi levemente
quebrada com o delicado e crescente barulho de passos que vinham em sua direção.
O olfato e a sensibilidade do velho nunca o enganara na juventude e não seria
desta vez que o trairia.
- O que houve minha neta? – perguntou o velho ainda com os olhos
fechados.
- Meu avô, estamos prontos. - Respondeu a menina que não passava dos 17
verões.
- Assim que terminar aqui partiremos. – Disse virando-se novamente para
frente, dado um longo trago no cachimbo e abrindo os olhos para voltar a
realidade.
Soltando uma grande nuvem de
fumaça pela boca, mal via o outro lado do pátio quando começou a se levantar,
com chuva ou sem chuva, era hora de partir.
Que Ovunguzayo nos guie.
Esperando por ele, uma comitiva
de cinco machos e três fêmeas postados ao lado de grades aves de plumagem
amarelada. Não era difícil entender que se tratavam de guardas. Mesmo usando
grossos mantos azuis para afastar suas roupas da chuva, era possível perceber
que vestiam armaduras. Suas montarias possuíam bolsas com suprimentos nas
laterais, não demonstravam nenhum tipo de agitação com a forte chuva que caía e
seus constantes trovões.
- Todos a
postos! – Bradou com voz agitada a soldado, que avistou primeiro o senhor
passando com passos determinados em direção ao líder da comitiva.
- Mestre! – Disse
o capitão, colocando-se em posição ereta frente ao seu superior.
- Vamos, não
temos muito tempo. A viajem é longa demais para despedidas. – Falou enquanto
subia no lombo do animal que gentilmente abaixava-se para o velho.
- Abram os
portões! – Gritou o soldado tentando esconder a euforia.
Assim, partia a comitiva. No meio da forte tempestade, na calada da
noite. O turno do pesadelo começara.
2 comentários:
Fico com vontade de ler mais...
Muito interessante! Fiquei desejando a continuidade...
Sucesso!
Lígia Beltrão
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