quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

[Guzayo~Parte~1]

                Tudo estava parado na cidade de Madeena enquanto o temporal castigava os telhados e os que ousassem desafiá-lo. O vento caprichosamente dava de tempos em tempos o seu silvo gelado sobre as casas. Das calhas escorriam a água que caia com vigor, goteiras teimosas castigavam os ouvidos mais atentos com suas pancadas constantes em superfícies ocas.  A cidade agora era um mundo de janelas fechadas que mostravam vultos de seus habitantes enclausurados, escondidos da tormenta e aliviados por terem sua rotina alterada.

                Em determinado ponto da cidade, uma grande casa com muros altos, portões no lado leste e oeste e um belo pátio central descoberto, cercado por uma varanda em todo o seu perímetro, destacava um o belo chafariz em forma de hexagonal. Sentado confortavelmente em sua cadeira, protegido da chuva pela sacada e do vento pela arquitetura, uma figura de barba longa e grisalha fumava silenciosamente com seu cachimbo azul celeste, contrastando de forma sutil com sua pele roxa. Afundado em seus pensamentos, sem nenhuma pressa, o tempo para ele dava a impressão de ter parado.

                Espero que eles estejam vendo os mesmos sinais que eu.

                Tirou seu capuz com uma das mãos, revelando ter apenas um enorme olho verde no meio do rosto no tamanho de uma bela toranja, a fim de aproveitar o frescor que a chuva trazia e somado ao conforto do ambiente, deu-se ao luxo de fechar o olho e respirar o tão fundo quanto suportava. Nascia assim o rascunho de um sorriso em seu rosto muito marcado por rugas.

                Toda a calma foi levemente quebrada com o delicado e crescente barulho de passos que vinham em sua direção. O olfato e a sensibilidade do velho nunca o enganara na juventude e não seria desta vez que o trairia.

- O que houve minha neta? – perguntou o velho ainda com os olhos fechados.
- Meu avô, estamos prontos. - Respondeu a menina que não passava dos 17 verões.
- Assim que terminar aqui partiremos. – Disse virando-se novamente para frente, dado um longo trago no cachimbo e abrindo os olhos para voltar a realidade.

                Soltando uma grande nuvem de fumaça pela boca, mal via o outro lado do pátio quando começou a se levantar, com chuva ou sem chuva, era hora de partir.

                Que Ovunguzayo nos guie.

                Esperando por ele, uma comitiva de cinco machos e três fêmeas postados ao lado de grades aves de plumagem amarelada. Não era difícil entender que se tratavam de guardas. Mesmo usando grossos mantos azuis para afastar suas roupas da chuva, era possível perceber que vestiam armaduras. Suas montarias possuíam bolsas com suprimentos nas laterais, não demonstravam nenhum tipo de agitação com a forte chuva que caía e seus constantes trovões.

- Todos a postos! – Bradou com voz agitada a soldado, que avistou primeiro o senhor passando com passos determinados em direção ao líder da comitiva.
- Mestre! – Disse o capitão, colocando-se em posição ereta frente ao seu superior.
- Vamos, não temos muito tempo. A viajem é longa demais para despedidas. – Falou enquanto subia no lombo do animal que gentilmente abaixava-se para o velho.
- Abram os portões! – Gritou o soldado tentando esconder a euforia.



Assim, partia a comitiva. No meio da forte tempestade, na calada da noite. O turno do pesadelo começara. 

2 comentários:

Unknown disse...

Fico com vontade de ler mais...

Anônimo disse...

Muito interessante! Fiquei desejando a continuidade...
Sucesso!
Lígia Beltrão