quinta-feira, 30 de abril de 2015

[Rascunho]

                  A pequena praça fora tomada por um grande terror. Daqueles que você não consegue fechar os olhos temendo o pior e nem tapar a boca para dar tempo de qualquer grito fugir pela garganta.
                  As quatro caminhonetes formavam um arco de isolamento entre a agência bancária e a rua.  Dez homens armados com fuzis e carregadores vigiavam o bloqueio do cruzamento e a chegada de algum carro da polícia ou forças especiais.
                  Dentro da agência o gerente, duas caixas, um segurança e mais quatro clientes eram mantidos como reféns:

-        Meu senhor, já lhe disse, essa agência mexe com muito pouco dinheiro! – choramingava o gerente enquanto os homens tiravam pacotes das bolsas.
-        Meu camarada, entenda que o seu dinheiro já é nosso. Tente não bancar o herói. – rosnou um homem fardado, com óculos tático e rosto encoberto.
-        Tudo desempacotado, amarra logo esses caras! – ordenou um outro assaltante que coordenava os outros membros.

                  O calor do meio da tarde fazia com que as ruas silenciosas ficassem cada vez mais nervosas. Aguardando alguma mudança de cenário repentina, uns temiam a troca de tiros com os policiais, outros uma possível longa e traumática negociação pela liberação dos reféns ou a fuga dos criminosos sem serem rechaçados. Qualquer uma das alternativas parecia igualmente terrível
                  Distante, mas já na linha de tiro, surge uma figura negra. A princípio parecia apenas mais um louco. Vestido de preto, pés descalços e braços expostos, a única pista que negava sua insanidade era o capacete tático. Deixando o visitante com visual aparentemente assustador, já que o asfalto estaria a mais de 50˚C e não se proteger seria um convite para queimaduras de primeiro e segundo grau.
                  Caminhando convicto, o homem se aproximava cada vez mais rápido do bloqueio. Os assaltantes confiando em seu treinamento, maior número e armamento, ainda questionavam a sanidade de seu possível alvo.

-        Parado aí! – Gritou o responsável pelos homens. Foi ignorado.
-        Vamos matar esse otário! Tá achando que é super-herói? – gritou um deles.

                  Conforme diminuía a distância, mais as atenções eram voltadas para o andarilho. Sua caminhada era constante, não se mostrava abalado pelo calor ou pela ameaça de morte que se fazia cada vez mais evidente.
                  Chegando a aproximadamente 100 metros do grupo, no meio da praça, parou de andar. Ficou por alguns instantes estático, atraindo o máximo de atenção para si e criando uma cortina de tensão entre ele e os atiradores. Quando uma voz metálica saiu de seu capacete:

-        Não vou me repetir,  então escutem. Larguem suas armas, entrem nos carros e sumam daqui. Tenho permissão para não deixar prisioneiros e é isso que farei. – falou o homem descalço.
-        Você acha que vai nos matar? Você? Sozinho? Não fala merda! – gritou um homem grande, segurando uma metralhadora proporcional ao seu tamanho.
-        Que assim seja. – respondeu sussurrando o vulto enquanto tocava no lado do seu capacete.

                  Correndo com passadas vigorosas, o barulho dos seus pés no chão de terra batida da praça era abafado pelo das armas sendo destravadas. Em poucos instantes todos começaram a atirar no vulto de mãos nuas. Seu deslocamento acelerado e as mudanças bruscas de posição o tornavam um alvo difícil. Cada bala que o acertaria ficava suspensa no ar, como se algo as congelasse. Em poucos instantes, uma pequena nuvem prateada cercava o infiltrador.
                  Já a alguns metros do grupo, muitos provocavam uma insuportável sinfonia de carregadores sendo trocados. O desespero do grupo, antes confiante começou a atrapalhar os mais próximos da barricada a recarregar com a precisão que o momento exige. E como nossos erros nem sempre são perdoados, estes foram os primeiros a perceber o tamanho do problema que poderiam ter evitado.
                  Saltando de lado no meio do bloqueio, o invasor dilacerou os dois homens que ajudavam a formar a primeira linha de defesa com apenas um movimento reto de suas mãos. Os mais próximos afastavam-se para entender como seus companheiros foram mortos e para sair da linha de tiro dos demais que também estavam apavorados com tamanha violência.
                  Em meio aos corpos caídos, atacante ainda curvado emitia um forte e profundo ruído metálico oriundo da sua respiração. As mãos cobertas de sangue semiabertas voltadas para cima, apoiadas nos joelhos, tornava a cena ainda mais grotesca, frente a naturalidade do atacante em meio a um cenário de morte e ameaça eminente.

-        Larguem as armas! Vamos todos morrer! – gritou um homem mais velho, com alguns pelos brancos na barba e rugas na testa.
-        Ele é doido! Matou o Maurício e o Augusto que nem mosquitos! – comentou com lágrimas nos olhos e voz trêmula um dos homens da primeira fileira. Seu rosto tinha gotas de sangue de seus companheiros mortos, ainda estava agachado, não queria mais lutar.

                  O silêncio e a dúvida tomou conta de cada homem frente a figura selvagem que permanecia imóvel e potente em meio a enorme poça de sangue que crescia. Aos poucos, um de cada vez foi deixando suas armas no chão. Moviam-se sem realizar movimentos bruscos, assumindo a derrota e dispostos a colaborarem com a preservação das suas vidas e de seus companheiros. Nem todo dinheiro do mundo valeria a pena.
                  Não queriam mais lutar, esperavam uma troca de tiros ou alguma coisa dentro da normalidade, mas aquele rival estava muito acima da sua compreensão. Não tinham recursos para enfrenta-lo, seria melhor encarar um tribunal do que um caixão.

                  - Ninguém se mexe. Nós nos rendemos! – falou nervoso o homem grisalho com as mãos para cima.

                  A criatura lentamente começou a tomar uma postura ereta. Ainda respirando fundo, ficou de frente para os oito homens desarmados, aterrorizados e de mãos levantadas. Esperavam alguma atitude do seu juiz, provavelmente daria voz de prisão para todos antes de entrar na agência. Mas teria muito trabalho por causa dos reféns. Quando a voz metálica em tom extremamente raivoso bradou.


-        SEM PRISIONEIROS!

sábado, 24 de janeiro de 2015

[Olhos~Lilás] Primeiro rascunho - Parte 5

            A porta é aberta lentamente. Uma enfermeira consideravelmente baixa, de cabelo ruivo curto, óculos grandes o suficiente para encostar em suas sobrancelhas, lidera o grupo de quatro rostos familiares. Conforme entravam no cômodo desfaziam a linha vertical para uma horizontal. Paralelos à parede do fundo, todos me olhavam sem dizer uma só palavra. Pareciam exaustos da sua vigília desde o ataque ao trem.
            De pele morena, olhos castanhos escuros e cabelo cacheado,  minha mãe estava agarrada no braço do meu pai. Seus olhos marejados, nariz avermelhado denunciavam a preocupação frente ao ocorrido. Meu pai, um homem negro, baixo, de nariz largo e bigode sorria para mim com alivio, o terno amarrotado, a gravata na mão e olheiras dignas de quem não dorme há algum tempo. Ao seu lado estava o seu próprio pai, meu avô, com cabelos brancos, barba rala e óculos e uma bengala não demonstrava emoção alguma. Meu irmão mais novo, com boné para trás, bermuda, óculos escuros e um sorriso na cara não se conteve:

-       Mas você é um cagão, heim! – falou rindo e quebrando o silêncio.
-       Seria mais ainda se não tivesse uma mala que nem você como irmão! – respondi já me sentando na cama e atraindo a aproximação de todos. – Enfermeira, posso ficar com meus pais?
-       Claro meu jovem, qualquer coisa é só chamar. Estarei lá fora. – falou a mulher enquanto saia do quarto. Seu sorriso era tão bonito que não parecia habitar aquele semblante sisudo.

Assim que a porta bateu os indivíduos colocaram-se em ação. Minha mãe soltou o braço do meu pai e partiu para me abraçar. Meu irmão e meu pai foram para o lado contrário. Meu avô mante-se imóvel, observando a movimentação dos indivíduos eufóricos escorou sua tradicional bengala na cama. Ainda que a idade estivesse avançada, sua percepção do mundo e suas ultimas mudanças não o tiraram o senso crítico.

-        Meu filho, você lembra o que aconteceu contigo?  – perguntou o velho cruzando os braços.
-        Quase nada. Foi tudo tão rápido. – menti, tinha medo de me envolver.
-        Mais de 100 pessoas morreram naquela noite e você não lembra de nada? – insistiu.
-        Pai, deixa Hadassa. Ele está sofrendo de algum choque pós-teaumatico. – falou minha mãe na autoridade de especialista na área.
-        As pessoas precisam de respostas! – respondeu levantando a voz e jogando o jornal no meu colo.


O jornal exibia fotos em baixa resolução do ataque. Uma sombra relativamente pequena, se comparada com o enorme corpo metálico de um trem, jogava faíscas na direção do vagão escuro. Uma tarja preta com os seguintes dizeres em um lilás bem claro dizia “Ainda perto de nós”. Os novos habitantes protagonizavam cada vez mais histórias. Boas ou ruins, acabaram colocando a sociedade em dois lados: um que os abominavam e outro que os idolatravam.

sábado, 17 de janeiro de 2015

[Olhos~Lilás] Primeiro rascunho - Parte 4

O barulho de chaves tentando adentrar a maçaneta deixou-me ansioso. Quem tentava abrir parecia igualmente nervosa. Na pressa de acertar o par, acabava escorregando e batendo na porta. Não tardou muito e acertarou a chave.

            Escuto dois tipos de sapatos preencher o ambiente.  Um mais duro, parecendo ser social, outro mais macio, emborrachado e pesado como o de um coturno militar. Entretanto, apenas um odor se faz marcante,  alguma mistura de suor, pólvora, gasolina e fumaça.

-       Não se mova! – disse a voz praticamente dentro da cabeça.

            - Como ele está? – falou uma voz feminina em tom duro.
            - Bem, os sinais vitais estão estáveis, pressão arterial e todos os exames de imagem não apontaram nada. Nenhum sinal de trauma ou de anomalia. – respondeu a mesma voz de antes, agora escutada vibrando nos meus ouvidos.

-       Vou tocar o seu braço, isso vai inibir qualquer reação sua. Minha mão está gelada, então não se assuste! – falou novamente o estranho sem emitir nenhum som.

-       Ele está sedado? – disse a mulher duvidando das respostas do médico.
-       Claro, é o procedimento padrão hoje em dia. A senhora sabe que os Olhos Lilás são armas ambulantes. – respondeu em tom cauteloso o homem.
-       Então como tirou o soro? – insistiu no questionamento a mulher.

-       Fudeu! – Pensei.
-       Ainda não, quem sabe das coisas aqui sou eu, não ela.  – Respondeu o homem que estava ouvindo o que pensei.

- Talvez ele tenha acordado rápido e tirou, mas deixa eu checar as pupilas dele. Também fiquei preocupado agora. – falou o médico emitindo um tipo de click.
- Por favor doutor, só assim saberemos o que falar para aquela família que está lá embaixo esperando notícias, junto com todos aqueles jornalistas.

Meus olho direito abre pelas mãos de um homem de jaleco, moreno, com cabelos cacheados, olhos castanhos e semblante determinado. Do outro lado da maca percebo uma mulher alta, branca, sem maquiagem, rabo de cavalo perfeitamente alinhado com uma farda escura, ornada com detalhes cor de laranja e marcas de patente também chamativas.

-       Nenhum traço da anomalia. – Soltou meu olho enquanto desligava a lanterna e me jogava mais uma vez .
-       Chame a família, menos uma merda a resolver. – respondeu a mulher ainda de forma dura enquanto seus passos ficavam distantes.

-       Boa garoto! Vou chamar seus pais! Mas fique parado, você vai voltar a se mover agora e precisamos continuar com esse teatro até que seja seguro. Certo? – tocou novamente o meu braço.
-       Certo. – concordei inseguro.

-       Já volto aqui. – Falou enquanto sua voz competia com a de passos se afastando e o da porta fechando-se