sábado, 24 de janeiro de 2015

[Olhos~Lilás] Primeiro rascunho - Parte 5

            A porta é aberta lentamente. Uma enfermeira consideravelmente baixa, de cabelo ruivo curto, óculos grandes o suficiente para encostar em suas sobrancelhas, lidera o grupo de quatro rostos familiares. Conforme entravam no cômodo desfaziam a linha vertical para uma horizontal. Paralelos à parede do fundo, todos me olhavam sem dizer uma só palavra. Pareciam exaustos da sua vigília desde o ataque ao trem.
            De pele morena, olhos castanhos escuros e cabelo cacheado,  minha mãe estava agarrada no braço do meu pai. Seus olhos marejados, nariz avermelhado denunciavam a preocupação frente ao ocorrido. Meu pai, um homem negro, baixo, de nariz largo e bigode sorria para mim com alivio, o terno amarrotado, a gravata na mão e olheiras dignas de quem não dorme há algum tempo. Ao seu lado estava o seu próprio pai, meu avô, com cabelos brancos, barba rala e óculos e uma bengala não demonstrava emoção alguma. Meu irmão mais novo, com boné para trás, bermuda, óculos escuros e um sorriso na cara não se conteve:

-       Mas você é um cagão, heim! – falou rindo e quebrando o silêncio.
-       Seria mais ainda se não tivesse uma mala que nem você como irmão! – respondi já me sentando na cama e atraindo a aproximação de todos. – Enfermeira, posso ficar com meus pais?
-       Claro meu jovem, qualquer coisa é só chamar. Estarei lá fora. – falou a mulher enquanto saia do quarto. Seu sorriso era tão bonito que não parecia habitar aquele semblante sisudo.

Assim que a porta bateu os indivíduos colocaram-se em ação. Minha mãe soltou o braço do meu pai e partiu para me abraçar. Meu irmão e meu pai foram para o lado contrário. Meu avô mante-se imóvel, observando a movimentação dos indivíduos eufóricos escorou sua tradicional bengala na cama. Ainda que a idade estivesse avançada, sua percepção do mundo e suas ultimas mudanças não o tiraram o senso crítico.

-        Meu filho, você lembra o que aconteceu contigo?  – perguntou o velho cruzando os braços.
-        Quase nada. Foi tudo tão rápido. – menti, tinha medo de me envolver.
-        Mais de 100 pessoas morreram naquela noite e você não lembra de nada? – insistiu.
-        Pai, deixa Hadassa. Ele está sofrendo de algum choque pós-teaumatico. – falou minha mãe na autoridade de especialista na área.
-        As pessoas precisam de respostas! – respondeu levantando a voz e jogando o jornal no meu colo.


O jornal exibia fotos em baixa resolução do ataque. Uma sombra relativamente pequena, se comparada com o enorme corpo metálico de um trem, jogava faíscas na direção do vagão escuro. Uma tarja preta com os seguintes dizeres em um lilás bem claro dizia “Ainda perto de nós”. Os novos habitantes protagonizavam cada vez mais histórias. Boas ou ruins, acabaram colocando a sociedade em dois lados: um que os abominavam e outro que os idolatravam.

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