sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Olhos~Lilás] Primeiro rascunho - Parte 2

- Aqui! Esse está vivo! – gritou um homem de farda cinza, capacete e luvas brancas.

No meio de luzes e muito barulho, incontáveis olhares voltaram-se para mim, devo ter apagado e segundos viraram incontáveis minutos.

- O que aconteceu aqui? – perguntei um pouco confuso.
- Não se mexe, vou chamar ajuda. – respondeu em tom eufórico estendendo a palma da mão aberta para que eu não me levantasse. Em vão. - Meu filho, você está bem? – disse o homem vencido, agora estendendo a mão para eu me levantar.
- Sim, acho que a minha pressão caiu. Sei lá. – respondi sem jeito, desmaiar é sinal de fraqueza emocional frente a grandes problemas.
- Vem comigo, você precisa ser avaliado antes de ser liberado.

Agora de pé percebi que estava deitado em um mar de sangue, vísceras e corpos, adornados com vidro quebrado, estofado rasgado e metal torcido. Desmaiar seria um detalhe, talvez uma vitória.

Me virando para porta senti minhas costas molhadas. As mãos sujas de sangue denunciavam qual era o motivo. Mortos também sangram. Do lado de fora, muitos carros da polícia, bombeiros, ambulâncias, imprensa e uma multidão de curiosos. Quando comecei a descer as escadas de emergência pude ter um leve rascunho do tamanho da tragédia. Todos me aplaudiam, gritavam de alegria, estranhos me recebiam com sorrisos e abraços, ignorando o líquido viscoso e avermelhado que agora eu sentia escorrer pelo meu pescoço e mãos.

- Sai da frente! Sai! – gritava o homem pardo e roliço de farda grafite, boné e bigode escuro que afastava os demais socorristas – Vai garoto, entra nessa ambulância!

Fui praticamente  sugado pelo cacho de mãos que esperava por mim dentro da van branca.

- Prende ele! Toca essa porra para o hospital! – gritou o enfermeiro negro de voz forte.
- Calma! Eu tô b... – não deu pra falar.

Como um campo gravitacional, não pude resistir a força dos três pares de braços que me fincaram na maca. Com a velocidade de um artesão treinando, fui devidamente amarrado.
Antes que eu pudesse realizar, já estava com uma seringa presa ao braço direito, meus pés e quadril tiveram o mesmo destino dos braços, devidamente amarrados. Por mais que eu tentasse convencer o homem de que estava bem, ele simplesmente me ignorava. A idéia de ir para casa e ler as notícias parecia cada vez mais distante. Eu estava bem, só tinha desmaiado.

- Alguém cala a boca desse muleque! – falou com raiva o enfermeiro para os outros dois aparentemente mais jovens.


Apaguei mais uma vez.

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