quarta-feira, 16 de outubro de 2013

[Rascunho] Conto Parte 3 de 5

Tiros. Muitos tiros. O que está acontecendo?
                Abro meus olhos e logo percebo. O que aconteceu ontem não era um sonho. Estava no escuro e quente porão da minha casa com meus netos, esposa, filhos e noras. A luz que entrava era por duas janelas retangulares que ficavam num ponto mais alto do cômodo a fim de aproveitar a luz natural.
                Levanto-me e já sinto que minha coluna dói um pouco. Dormi de qualquer jeito em um colchão improvisado. Não sou mais um garoto. Vejo um dos meus filhos sentado na escada olhando o telefone e seu semblante não é nada reconfortante. Provavelmente nem dormiu esta noite. Para falar a verdade, acho que poucos ficaram acordados.

- O que houve meu filho? – perguntei quase sussurrando para não acordar ninguém enquanto me levantava.
- Pai, as coisas não estão boas. Parece que isso é grande e sério. Liguei para alguns sócios e ninguém responde. Será que... – me olhou preocupado o filho mais amoroso e esperançoso, seus olhos mostravam uma preocupação sem precedentes.
- Provavelmente sim pai, mas não devemos perder as estribeiras. Agora é hora de pensar na gente. – cortou Ramon o lamento do pai enquanto saia das trevas oferecidas pelo cômodo. O jovem estava de pé, olhando para a janela – Ouviram os tiros, mais alguém escapou.
- Acho que é nosso dever como ser humano ver o que houve com essas pessoas. – olhei para pai e filho que estavam acordados naquele breve momento de paz oferecido pelo sono dos demais. – José, guarde sua bateria. Ela pode nos fazer falta se essa luz não voltar.

                Neste instante tive a impressão de que estávamos começando a traçar dentro de cada cabeça, sem um precisar falar com o outro, um plano de ação para superar essa crise. Quando um forte baralho de móveis sendo arrastados no andar de cima quebrou todo o silêncio. Acordando alguns que dormiam de leve e nos colocando em um estado de alerta quase que paralisante. Passar despercebido era uma condição fundamental para a nossa sobrevivência.
                Meu neto se encaminhou para a escada mas acabou sendo contido pelo seu pai. Me levantei definitivamente, não tinha motivos para continuar sentado visto o inferno que poderia começar a qualquer instante. Havia muito a ser perdido além da minha casa e da minha vida.

- Você não vai sair! Eu estou te proibindo! – disse José segurando o filho pelo braço.
- Sinto muito pai, mas isso não cabe ao senhor. – deu um puxão no pai enquanto ganhava os degraus da escada.
- O que você vai fazer? Não sabe o que está lá fora! – respondeu o pai com um argumento que o faria parar caminhada.
- Seja lá o que for, vou fazer parar de fazer barulho. Antes de descer eu coloquei barreiras nas portas. Talvez seja alguém precisando de ajuda. – colocou a mão nos ombros do pai que já estava uma cabeça mais baixo devido a diferença dos degraus.
- Vai tomar no cu, eu vou contigo meu neto! – subi os degraus próximos aos dois, não agüentava mais aquela tensão e todo aquele breu.
- Pai, não! – José já quase chorando. Era uma situação muito delicada, qualquer perda ali poderia ser enorme para todos.
- Vamos vô, em silêncio e com força! – abriu silenciosamente a porta do cômodo inundando nossos olhos com uma claridade pálida que aquela manhã cinzenta nos oferecia.

                Aparentemente, a casa estava do mesmo jeito que havíamos deixado na noite anterior. Salvo algumas velas apagadas, coisas levemente desorganizadas devido à toda movimentação das pessoas na caminhada ao porão.
                O barulho parece que vinha da sala, dois cômodos de distancia da gente. Viramos à esquerda pegando o corredor da cozinha. Tudo estava organizado, nada havia sido mexido. Mas o barulho parece que crescia conforme caminhávamos em direção a sua origem. Meu coração de velho batia forte, estava assustado, mas ainda sim determinado e seguro por ver meu neto agindo como um caçador.
                Passamos abaixados pela cozinha, evitando qualquer contato com mesas e armários para não fazer barulho. Não era hora de cometer erros levianos, vidas estavam em jogo. Ramon silencioso e forte se escorou numa parede vazia. Respirou fundo, fez uma cara de desaprovação e olhou pra mim. Tentei decifrar aquela reação quando ele me apontou para frente. A janela estava aberta, para falar a verdade, escancarada. Ele tinha se esquecido das delas.
                Ele tomou fôlego por um instante e olhou rapidamente para dentro do cômodo. Quando colou as costas novamente na parede seus olhos estavam arregalados, parecia ter visto algo que não queria. Confesso que senti muita vontade de olhar, mas sei que não seria prudente.
                Esgueirando-se até um dos armários, o jovem pegou uma faca longa que usávamos quando precisávamos cortar carne para churrasco. Não entendi o motivo daquilo, na verdade, eu não sabia até onde meu neto estava disposto a ir. Não seria capaz de usar uma arma contra ninguém, muito menos tirar a vida de uma pessoa.
                Olhando-me nos olhos, fez um sinal de que era pra eu ficar parado e então entrou no cômodo. De pé, silencioso, mas ainda sim determinado. O móvel parara de ser arrastado. Passos pelo piso de madeira da sala e em poucos segundos comecei a ouvir o barulho de algo sendo perfurado de forma vigorosa, alternando com o barulho de uma respiração rápida e determinada. Não demorou muito para eu ouvir o barulho de algo caindo sem ser amparado, precisava ver o que estava acontecendo, mas não podia olhar. Como estaria o meu neto?

- Vô, vem cá. Mas por favor, vem devagar – disse o rapaz com a voz que misturava alivio e tristeza – não se assusta.

                Fui vagarosamente me arrastando para a sala. A primeira coisa que vi foi meu neto sentado no chão apoiando os braços nos joelhos. Segurava a faca suja com algum tipo de óleo, bem como seu casaco preto que refletia algum tipo de graxa. Ele me olhou nos olhos e virou o rosto pra frente a fim de apontar para algo. Então contemplei a abominação que ocorrera. Dois corpos caídos, um sobre o sofá e outro no meio da sala. O mais próximo a mim estava com o crânio consideravelmente danificado. Tinha um olhar vidrado, a boca aberta como quem tem uma gargalhada congelada. No meio da sala, dentro de uma lagoa de sangue estava o segundo. Só era possível reconhecer que aquilo lá já fora humano pela existência de braços e pernas. Não possuía mais músculos nos membros superiores. Era uma cena deplorável.
                Ficamos em silêncio por um tempo. Aquilo era pesado demais para agir com naturalidade e afinal de contas, nossa principal missão havia sido cumprida.

- Vô, eu vou olhar o resto da casa e do terreno. Vamos sair daqui. Me ajuda a fechar as janelas? – Disse quase sussurrando Ramon enquanto se levantava tentando afastar aquela cena grotesca da cabeça.
- Sim meu filho. Vamos resolver essa parada rápido. – fazendo força pra me levantar sem fazer muito barulho, não tínhamos noção se mais coisas haviam entrado junto com essas duas.


A casa já não era tão segura assim

terça-feira, 15 de outubro de 2013

[Rascunho] Conto Parte 2 de 5

Todos estavam em silêncio. Além dos gritos e do barulho de coisas sendo quebrada, a discussão que acontecia na garagem, fez com que todos aguçassem os ouvidos para se antecipar aos fatos. Sentia-me parte de uma platéia nervosa e silenciosa, ansiosa para saber o que estava acontecendo. A cada segundo quieta, mais eu sentia um aperto na boca do estômago. Não demorou muito e logo dava pra ouvir passos apressados pelo corredor da casa, dois haviam saído, mas quatro voltavam. Algo muito ruim se aproximava.

O que está acontecendo?

Ver meus tios, primo e irmão mais velho chegando como um cortejo fúnebre acelerado nos fundos da casa iluminado por lanternas e pela Lua só atraía mais ainda a atenção para o quarteto de vultos.

- Todo mundo pra dentro agora e em silêncio. – falou calmamente, mas com clara pressa meu tio Luiz, era impossível não ser contagiado pelo seu nervosismo.
- O que houve? – minha avó perguntou preocupada. Sua natureza bondosa e sábia dava-nos a impressão de que poderia resolver aquele problema com um simples insight.
- No porão a gente fala tudo, mas agora é hora de entrar! Todo mundo! – respondeu o jovem magro e bastante alto, antes que o pai pudesse articular uma resposta sutil para a mãe de idade já avançada e saúde já um pouco delicada.

Naquele instante um forte barulho de metal chocando-se violentamente contra algo maciço nos surpreendeu. O portão do vizinho fora arrombado.

Gente, o que está acontecendo?

Nossos vizinhos gritavam, reclamando pelo ocorrido. Não tinham noção do que acabara de iniciar. Em poucos instantes, os gritos de revolta converteram-se numa maré implorando por ajuda, por paz. Mas os gritos só aumentavam, a cada vez que eu respirava, eles pareciam cada vez mais altos. Parecia que suas almas se desprendiam com a vibração das cordas vocais buscando timbres mais altos.

Somos os próximos! Mas por quê?

Apressados mas organizados, todos entraram em casa carregando o que estava por perto e que o medo não fizera esquecer. Um a um, entramos todos no porão munidos de velas, lanternas, cadeiras e instrumentos musicais. Crianças e adultos acomodavam-se, vozes sussurradas preenchiam o cômodo amplo e bastante escuro, até que meus tios pediram silêncio com um sopro chiado.

- Silêncio gente! Quero saber o que está acontecendo! – pediu meu avô, um senhor calvo que cultivava um belo bigode grisalho e uma barriguinha proporcional aos anos de sedentarismo, má alimentação e claro, muito cerveja.
- Pai, seja lá o que for, não é normal. Tem alguma coisa muito estranha acontecendo – respondeu meu tio Carlos, deixando ainda mais perguntas no ar e a tensão maior do que antes.
- Zumbis – respondeu o pré-adolescente, filho do mesmo que acabara de falar. A maioria achou o comentário infantil, inapropriado em meio à toda sinistra gritaria que acontecia perto da gente. Até que pelo visor do smartphone ele nos mostrou a página inicial com uma foto igualmente macabra, do principal jornal do país.
               
                Confesso que foi um soco no estômago, mas não acreditei de primeira. Brincadeiras sem noção e bem articuladas são como uma tradição familiar e até agora, essa era de longe a mais sofisticada de todas. Mereciam algum prêmio de interpretação e ambientação.
                Duvidando da autenticidade e munidos de telefones com acesso à internet, muitos buscavam em outras fontes para desmascarar aquela brincadeira sinistra. Tudo em vão. Era verdade. A cada instante que líamos mais sobre o tema, mais a escuridão parecia pesar nas nossas costas. Quando ouvimos batidas apressadas na porta de entrada do porão.

Quem seria? Todos estavam ali, não sobrara ninguém lá fora.

- Abre essa merda caralio! – falou em tom controlado meu irmão Ramon.
- O que você está fazendo aí muleque? – respondeu meu tio Luiz surpreso com a ausência do sobrinho em meio aos outros familiares que desceram para o porão.
- Abre logo caralio! – já com aparente pressa o jovem deu uma leve batida na porta.

                Ao contrário do meu tio, meu irmão era um homem de estatura mediana pra baixa. Seus olhos naturalmente escuros estavam mais ainda devido ao terror que as trevas nos traziam. Seu semblante duro dava sinais de que estivera em algo que faria provavelmente muitos de nós vomitarmos.
                Desceu as escadas logo atrás do meu tio. O rapaz carregava consigo uma mochila, provavelmente lembrou-se de pegar algo importante. Todos olhavam para ele, deveria ter pego remédios, comida, talvez armas. Ajoelhou-se no chão e começou a abrir a mochila. Ele perdeu um tempo pegando algo que todos nós tínhamos esquecido, celulares, alguns tables e notebooks

- Espero que vocês desliguem essas merdas. Não quero atrair a atenção de ninguém com qualquer toque escroto. – fechando a cara e olhando sério principalmente para as crianças que naturalmente são a principal fonte de ruído em qualquer ambiente.
- Ramon, o que está acontecendo? – perguntou minha mãe com tom preocupado. Era raro ver meu irmão tão sério e duro. Só em momentos extremos ele mostrava este tipo de comportamento. Fiquei preocupada, porque um dos homens mais duros que conheço estava muito agitado.
- Não sei o que é, mas pelo que vi, não tem mais ninguém vivo por aqui. Os Pinheiro estão em silêncio e os Deodoro também e seus portões foram arrombados. Se não morreram, estão escondidos. Vamos esperar amanhecer. – sentou no chão e buscou se escorar numa parede enquanto toda a platéia assistia atônita o relato curto e cruel que fora contado.

Estamos cercados?

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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

[Rascunho] Conto Parte 1 de 5

Nunca me incomodei com a escuridão. Para falar a verdade, sempre que acaba a luz eu voltava à reflexão sobre a perda do convívio devido ao conforto que a eletricidade nos trazia.
Naquela noite de sábado, todos estavam em casa. Final de ano, férias escolares, folga no trabalho. Resultado: três gerações reunidas, de uma família tipicamente grade – grande não gigante.
Se não me engano, como em um evento cotidiano, a luz acabou. As crianças davam seus gritinhos curtos e agudos, enquanto alguns adultos davam um muxoxo ou soltavam palavrões por terem suas atividades encerradas abruptamente.
Eu estava no terraço lendo. Aproveitando a fresca brisa monótona que dezembro dá aos que vivem numa fornalha como eu. Depois de duas horas, violões, gaitas e panderolas foram sacadas e assim, em meio a velas e a luz da Lua, todos cantavam, bebiam e contavam histórias engraçadas que envolviam os outros parentes. Estava entretido demais na leitura e ainda podia ouvir toda a bagunça descontraída que acontecia nos fundos da casa.
Alguns disseram que foi sorte, mas foi no detalhe de um pequeno silêncio que pude notar. De longe, eu podia ver. Caminhavam vagarosamente, preenchendo parte da rua. Uma legião silenciosa, despretensiosa como a maré que avança sobre casas e calçadas. Logo, o inferno começou, lembrando o abraço mortal de uma jibóia.
O grito de dor dos que eram atacados pelas mãos frias, de pegada firme e as mordidas titânicas determinadas, só eram superados pelo dos parentes desesperados frente ao choque do ataque inesperado e ao pulsar do sangue. Em instantes, as casas que estavam com portões abertos começam a ser invadidas. Móveis e talheres caindo, copos, janelas se quebrando e mais gritos, o horror começava a mostrar sua face para mim.
Demorei um pouco para notar que as vozes e cantoria haviam cessado. Tive a impressão de que o ar começava a pesar devido a eminência de uma ameaça que logo estaria no nosso quintal.
Dois tios meus se encaminhavam até o portão quando de um salto larguei tudo para contê-los.

- Não! Estão invadindo as casas! – disse em tom de urgência, mas sem elevar a voz.
- Quem meu filho? Está tendo briga na rua isso sim! – falou meu tio mais velho, mostrando-se preocupado com o bem estar dos vizinhos de longa data.
- Não sei, mas lá de cima eu estava vedo... porra, me ajuda a empurrar o carro, precisamos bloquear esse portão!  -já estava me sentindo muito agitado, sabia que a qualquer hora a turba estaria na nossa porta, literalmente.

Quando o portão de pedestre foi aberto de forma abrupta e um vulto de atitude enérgica e apressada se encaminhava em nossa direção. Meus músculos se contraíram, estava disposto a conter com toda a força possível aquele invasor.
Ao concentrar um potente chute na altura do abdômen a fim de afastar, identificar e conter o vulto ouvi uma voz familiar resfolegante, a qual tinha noção de que o tempo urgia para se dar a este tipo de luxo.

- Viado, tranca tudo! – falou meu primo Fernando.
- Me ajuda a empurrar a pickup! – falei com firmeza e urgência, já entrando no carro para puxar o freio de mão.
- Calmai, o que ta acontecendo? – disse meu tio mais velho que tentara segurar o braço do seu filho.
- Pai, ajuda aqui caralio! – respondeu o jovem sem fôlego, suado, juntando forças para ajudar a empurrar o carro.
- Vocês estão de saca...- quando ouvimos passos apressados descendo a escada. Era meu tio mais novo que agora compartilhava da mesma preocupação que eu e meu primo.
- Puta que pariu Luiz, ajuda é sério! – correu o homem de estatura mediava, rosto sem barba e expressão naturalmente determinada para frente do carro.
               
                Ainda desnorteado com aquele turbilhão de sons e atitudes enérgicas, o homem alto, magro, conservado dentro dos seus 50 anos, vendo o esforço coletivo, e claro, sentindo em seu cerne que não se tratava mais de uma brincadeira, levantou rapidamente as mangas da camisa para ajudar os três. Em segundos o SUV prateado estava encostado cirurgicamente no pesado e praticamente intransponível portão de madeira.

                A casa estava selada.