Todos estavam em silêncio. Além dos gritos e do barulho de coisas sendo
quebrada, a discussão que acontecia na garagem, fez com que todos aguçassem os
ouvidos para se antecipar aos fatos. Sentia-me parte de uma platéia nervosa e
silenciosa, ansiosa para saber o que estava acontecendo. A cada segundo quieta,
mais eu sentia um aperto na boca do estômago. Não demorou muito e logo dava pra
ouvir passos apressados pelo corredor da casa, dois haviam saído, mas quatro
voltavam. Algo muito ruim se aproximava.
O que está acontecendo?
Ver meus tios, primo e irmão mais velho chegando como um cortejo
fúnebre acelerado nos fundos da casa iluminado por lanternas e pela Lua só
atraía mais ainda a atenção para o quarteto de vultos.
- Todo mundo
pra dentro agora e em silêncio. – falou calmamente, mas com clara pressa meu
tio Luiz, era impossível não ser contagiado pelo seu nervosismo.
- O que houve?
– minha avó perguntou preocupada. Sua natureza bondosa e sábia dava-nos a
impressão de que poderia resolver aquele problema com um simples insight.
- No porão a
gente fala tudo, mas agora é hora de entrar! Todo mundo! – respondeu o jovem
magro e bastante alto, antes que o pai pudesse articular uma resposta sutil
para a mãe de idade já avançada e saúde já um pouco delicada.
Naquele instante um forte barulho de metal chocando-se violentamente
contra algo maciço nos surpreendeu. O portão do vizinho fora arrombado.
Gente, o que está acontecendo?
Nossos vizinhos gritavam, reclamando pelo ocorrido. Não tinham noção do
que acabara de iniciar. Em poucos instantes, os gritos de revolta
converteram-se numa maré implorando por ajuda, por paz. Mas os gritos só
aumentavam, a cada vez que eu respirava, eles pareciam cada vez mais altos.
Parecia que suas almas se desprendiam com a vibração das cordas vocais buscando
timbres mais altos.
Somos os próximos! Mas por quê?
Apressados mas organizados, todos entraram em casa carregando o que
estava por perto e que o medo não fizera esquecer. Um a um, entramos todos no
porão munidos de velas, lanternas, cadeiras e instrumentos musicais. Crianças e
adultos acomodavam-se, vozes sussurradas preenchiam o cômodo amplo e bastante
escuro, até que meus tios pediram silêncio com um sopro chiado.
- Silêncio
gente! Quero saber o que está acontecendo! – pediu meu avô, um senhor calvo que
cultivava um belo bigode grisalho e uma barriguinha proporcional aos anos de
sedentarismo, má alimentação e claro, muito cerveja.
- Pai, seja lá
o que for, não é normal. Tem alguma coisa muito estranha acontecendo –
respondeu meu tio Carlos, deixando ainda mais perguntas no ar e a tensão maior
do que antes.
- Zumbis –
respondeu o pré-adolescente, filho do mesmo que acabara de falar. A maioria
achou o comentário infantil, inapropriado em meio à toda sinistra gritaria que
acontecia perto da gente. Até que pelo visor do smartphone ele nos mostrou a
página inicial com uma foto igualmente macabra, do principal jornal do país.
Confesso que foi um soco no
estômago, mas não acreditei de primeira. Brincadeiras sem noção e bem
articuladas são como uma tradição familiar e até agora, essa era de longe a
mais sofisticada de todas. Mereciam algum prêmio de interpretação e
ambientação.
Duvidando da autenticidade e
munidos de telefones com acesso à internet, muitos buscavam em outras fontes
para desmascarar aquela brincadeira sinistra. Tudo em vão. Era verdade. A cada
instante que líamos mais sobre o tema, mais a escuridão parecia pesar nas
nossas costas. Quando ouvimos batidas apressadas na porta de entrada do porão.
Quem seria? Todos estavam ali, não sobrara
ninguém lá fora.
- Abre essa
merda caralio! – falou em tom controlado meu irmão Ramon.
- O que você
está fazendo aí muleque? – respondeu meu tio Luiz surpreso com a ausência do
sobrinho em meio aos outros familiares que desceram para o porão.
- Abre logo
caralio! – já com aparente pressa o jovem deu uma leve batida na porta.
Ao contrário do meu tio, meu
irmão era um homem de estatura mediana pra baixa. Seus olhos naturalmente
escuros estavam mais ainda devido ao terror que as trevas nos traziam. Seu
semblante duro dava sinais de que estivera em algo que faria provavelmente
muitos de nós vomitarmos.
Desceu as escadas logo atrás do
meu tio. O rapaz carregava consigo uma mochila, provavelmente lembrou-se de
pegar algo importante. Todos olhavam para ele, deveria ter pego remédios,
comida, talvez armas. Ajoelhou-se no chão e começou a abrir a mochila. Ele
perdeu um tempo pegando algo que todos nós tínhamos esquecido, celulares,
alguns tables e notebooks
- Espero que
vocês desliguem essas merdas. Não quero atrair a atenção de ninguém com
qualquer toque escroto. – fechando a cara e olhando sério principalmente para
as crianças que naturalmente são a principal fonte de ruído em qualquer
ambiente.
- Ramon, o que
está acontecendo? – perguntou minha mãe com tom preocupado. Era raro ver meu
irmão tão sério e duro. Só em momentos extremos ele mostrava este tipo de
comportamento. Fiquei preocupada, porque um dos homens mais duros que conheço
estava muito agitado.
- Não sei o
que é, mas pelo que vi, não tem mais ninguém vivo por aqui. Os Pinheiro estão
em silêncio e os Deodoro também e seus portões foram arrombados. Se não
morreram, estão escondidos. Vamos esperar amanhecer. – sentou no chão e buscou
se escorar numa parede enquanto toda a platéia assistia atônita o relato curto
e cruel que fora contado.
Estamos cercados?
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