sábado, 22 de novembro de 2014

[Olhos~Lilás] Primeiro rascunho - Parte 1

Fim de tarde. O sol começa a pintar tudo de laranja. Brincando com algumas nuvens, a luz ganha novas tonalidades misturadas com a poluição urbana, os diversos tipos de revestimentos nos prédios e montanhas caprichosamente postas na frente do poente, assusta e encanta aquele que tem curiosidade em perguntar o motivo de tantas variações.
O trem cheio de pessoas cansadas, marcava o final de mais um dia de trabalho na cidade. Homens e mulheres voltando para suas casas ou tomando outros destinos. A rotina os fez acostumarem-se com a falta de espaço e privacidade que três pessoas por metro quadrado fornecem. Fones de ouvido, telefones, terços, livros ou qualquer outro tipo de dispositivo eram agora os novos refúgios daqueles estranhos que tinham tanto em comum.
Lembro-me quando os vi sentados. Ela próxima à janela, de costas para o sentido do trem e ele de frente para o corredor. A luz alaranjada que entrava, fazia seu cabelo cor de cobre mais laranja do que já o era. Seus óculos de lente marrom até disfarçavam para os demais, mas eu podia ver seus olhos cor de lilás por trás deles. Aquela mulher fora tocada. O senhor negro, de cabelo curto e barba por fazer não passava de um mero coitado que estava sendo ajudado. Cego, de bengalas e óculos escuros de formato esportivo, em total desarranjo para um homem de meia idade e terno.
Sabia que não poderia registrar aquele momento. Não sabia qual era o alinhamento desta pessoa frente as diretrizes do governo. Fossem boas ou ruins, estaria colocando-a em perigo ou todos a minha volta. Seria irresponsabilidade provocar um tigre estando dentro da sua jaula. Talvez ela só estivesse fazendo um ato de caridade neste mundo feroz.
A viajem seguia tranquila, o trem balançava como de costume. Seus habitantes temporários, já acostumados com as oscilações, seguiam suas rotinas de leitura, filmes ou conversas particulares. Nossa visitante não conhecia bem a rotina. A cada parada a espera de sinalização ela ficava mais agitada. Tudo se acostuma. Quando subitamente perdemos velocidade em uma estação bem sinalizada. Comecei a ser contagiado pela agitação da criatura de olhos lilás quando as luzes apagaram-se, a vibração do motor não poderia mais ser sentida e o ar-condicionado parara de funcionar. Um problema normal, mas não neste contexto.
Alguns minutos parados e todos começaram a reclamar, apertar o botão de emergência para tirar satisfação com o maquinista. Outros que já trabalhavam para abrir as portas. Desciam e ajudavam os demais na mesma tarefa, não estávamos tão distantes assim da estação, o ar quente e úmido era muito incômodo para ignorar a falta de ventilação. Entretanto a mulher já não conseguia se controlar. Respirando alto, pernas agitadas e o semblante preocupado não faziam jus ao que aconteceria.
Pude ver de longe linhas luminosas se aproximando. Ao tocarem o trem por fora, pude sentir a lataria ressoando em forma de metal sendo perfurado. Os gritos vindos dos outros vagões não davam tempo para os demais reagir, só a mulher, que postando-se de pé gritou com raiva quase animal:

- NÃO! ABAIXEM-SE! AGORA! – enquanto estendia as duas mãos na direção da janela em que eu estava.

As poderosas balas simplesmente nos ignoraram. Uma surpreendente bolha de proteção nos cercava. Os que estavam fora dela tentavam de achegar para perto ou escorregavam para fora do vagão. O esforço conjunto de alguns homens ao  abrir as portas instantes antes do ataque deu a muitos a chance sobreviver ou permanecer protegidos atrás da grossa lataria.
Assim que os tiros passaram, ainda era possível ouvir os gritos, choro de desespero e homens gritando com outros. O grotesco cenário dentro do vagão justificava tais atitudes. Vidros quebrados, paredes perfuradas, sangue até no teto e diversos corpos despedaçados preenchiam o chão preto emborrachado. Foi um massacre.
Só percebi que ainda estava agarrado na barra de apoio do trem quando o cego de pé tirou os óculos, virou-se para mim com olhos de um lilás fluorescente e falou diretamente comigo.


- Rápido, pense numa rota de fuga! – encostou a mão na minha testa e então tudo ficou escuro. Eu fui tocado.

domingo, 6 de julho de 2014

[Rascunho] Parte 01



                Passos apressados ecoavam pelo escuro corredor de pedras. As tochas pontuais rascunhavam a sombra de um jovem guarda. Com capa branca, armadura leve, sem elmo ou escudo, portando como defesa apenas uma espada curta no cinto. Era possível escutar a sua respiração já cansada, talvez uma longa e intensa jornada o desgastara.
                - Parado aí! – disse a sentinela de patente mais alta que tomava a frente da porta enquanto segurava com uma das mãos a espada e a outra a bainha.
                - Carta para o Coronel! – respondeu o jovem sem diminuir a velocidade.
                Conforme se aproximava da porta, mais clara era a intenção do guarda em detê-lo. Passo por passo, o jovem reduziu a carga para poder mostrar o envelope preto, com detalhes brancos. O guarda logo entendeu da urgência que se tratava, não era preciso mais dialogar. Era algo maior do que suas responsabilidades permitiam-lhe saber.

                - Rápido! Quarta porta à esquerda! – Ainda desajeitado, saiu da frente abrindo a porta o mais rápido que pôde.

                A porta de madeira escura, com barras de ferro em diversos pontos confirmava o seu destino. Qualquer pessoa em uma posição de comando elevada teria uma estrutura superior à dos demais membros.
                Batidas fortes na porta aparentemente maciça. Um breve período de silêncio e novamente a porta foi usada para chamar a atenção de quem estava dentro do cômodo. Logo o som de um molho de chaves crescia e não tardou para que o bagulho da tranca sendo aberta rompesse o silêncio do corredor.

                - Pois não? Em que posso ajudá-lo? – Atendeu em um tom amistoso a criatura baixinha, com uma barriga conquistada pela falta de exercícios e o avanço da idade, de pele azul celeste, cabelo e costeletas tão brancos quanto a neve que cai sobre as montanhas.
                - Coronel, entrega urgente para o senhor! Acabou de chegar! – Respondeu agitado o rapaz enquanto entregava o envelope. Sabia da urgência da sua missão, não tinha mais o que fazer.
                - Obrigado meu jovem. Pode se retirar. – Acenou com a cabeça a fim de expressar de que a ordem fora entendida. Imediatamente fechou a porta com uma das mãos enquanto olhava para a outra com o envelope negro.

                O pequeno homem caminhou pelo cômodo sem dizer nenhuma palavra enquanto aproximava-se da sua mesa. Tinha noção de que independente do que estava contido ali, não seriam boas novas e logo começou a procurar por alguma iluminação próxima à ele.
                Depois de trazer para mais perto de si uma vela, abriu o envelope. Era preciso ler com muita calma. A situação não permitiria erros.

Coronel,
                Estou escrevendo esta carta pois a situação exige muita urgência. Fomos atacados nesta última noite de Lua minguante por um grupo de selvagens.
                Perdemos diversos bons cidadãos pois quase não possuímos armas e tão pouco treinamento. Precisamos de ajuda imediata.
Prefeito Gaël.

- Como pode uma vila dentro do círculo tático ser atacada? Preciso encontrar uma patrulha para guarda-los enquanto formalizo os pedidos de tropas. – questionou-se cerrando os lábios, esculpindo uma máscara de dúvida em seu semblante.

Colocou a carta na mesa e tomou fôlego. Sabia que precisaria agir com urgência, mas tinha noção de que o esforço valeria a pena. Assim, levantou-se arrastando a cadeira para trás. O som reverberou pelo cômodo, extinguindo-se lentamente nas sombras das quintas. Os armários com livros de mapas, protocolos e plantas baixas escondiam o real tamanho do cômodo.
Abrindo uma portinhola no meio do grande armário repleto de livros, haviam quatro prateleiras com uma vasta coleção de frascos. Devidamente etiquetados, fracos com venenos raros, antídotos e essências perdiam destaque para um único que ficava isolado no canto. Feito de porcelana azul e ornado com sutis linhas douradas, era o único de todos que não possuía etiqueta.
Com o frasco em mãos, caminhou até a prateleira de pergaminhos em branco. Pegou um e estendeu-o sobre a mesa, usou um livro largo em um dos lados que teimava em se enroscar novamente e abriu a primeira gaveta para pegar uma grossa luva de couro que estava junto com seu par.
Já com a luva vestida na mão esquerda, colocou o fundo do frasco próximo à chama de uma vela que estava próxima. Não demorou muito, só queria aquecer o mínimo possível para poder usar o líquido.
Quando sentiu que o tempo necessário fora o suficiente, deixou pingar quatro gotas no meio do pergaminho. Com calma, tampou o frasco novamente e o repousou sobre a mesa. Uniu os dedos na forma de um bico de pássaro e os levou na direção da mancha vermelha que fora se formara. Ao tocar nela, abriu seu dedo polegar e mínimo, girou o pulso e assim desenhou um círculo envolta do centro, conectando as duas partes pela linha formada na abertura dos dois dedos.
Com a mão esquerda concentrou um pouco de mana. A luminosidade azul não fora forte o suficiente para vencer o amarelo das velas, mas o leve contato com a o desenho fez com que uma forte luz branca preenchesse o ambiente todo. Um zunido de algo sendo lançado fez com que um portal fosse aberto sete passos à frente da mesa. Do outro lado era possível ver a circulação de pessoas de um lado para o outro.
O coronel caminhou até o portal e como quem anda por uma casa com poucas portas, só sentiu que trocara de cômodo devido a profusão de novos estímulos. Os cheiros diferentes, os sotaques de todas as partes do reinado, misturados com o vento corrente que tornava o ambiente um pouco mais frio do que a sua sala, fizeram com que o experiente Coronel demorasse alguns instantes para se situar dentro daquele caos.

- Senhor, o que houve? – Perguntou a jovem alta, vestindo farda cinza escura, bota preta quase até o joelho, similar à um soldado pronto para o combate. Sua pele revestida de escamas verde-folha trazia mais contraste ainda com seu cabelo cor de laranja, preso em um rabo de cavalo perfeitamente alinhado.
- Recebi uma carta de Dagarkin. Nela está dizendo que sofreram um ataque no último dia de lua minguante e parece que alguns cidadãos foram mortos no confronto. – mantendo o semblante fechado, enquanto falava avaliava a reação da jovem, a seriedade em momentos de crise é o que mais chama a atenção nos umlilo. Ficaram em silêncio por alguns instantes enquanto mediam a seriedade daquela notícia.
- Alguma notícia do santuário? – perguntou a tenente com uma pitada de ansiedade para a resposta.
- Não dizia nada carta, mas provavelmente não sofreu com esse ataque. – respondeu impassível o Coronel tentando esconder a pressa.
- Isso tem dois dias! Muito estranho nenhuma patrulha que estava por perto notou a movimentação de invasores. – comentou enquanto virava-se para um grande mural com o mapa do reinado marcado com diversos pontos referentes à localização de sentinelas. Começou a avaliar se houvera alguma falha na patrulha enquanto vasculhava sua memória. – Subtenente Carnys, localize imediatamente a tropa mais próxima a Dagarkin!
- Imediatamente senhora! – respondeu o homem esguio, de pele violeta que vestia uma roupa azul escura e um cinturão marrom com detalhes dourados.

terça-feira, 8 de abril de 2014

[Guzayo~Parte~4]

A sombra do enorme tronco conseguia transformar a noite sem nuvens em algo ainda mais escuro. O Dilacerador arremessara outra árvore na direção do grupo e desta vez, seria impossível repetir o mesmo movimento. O objeto fora arremessado em forma de uma acentuada parábola, ainda que conseguissem desacelerá-lo, seriam esmagados de qualquer jeito pelo seu peso.

Do abismo sai uma intensa rajada de vento de baixo para cima. Forte como um tufão, fez com que a segunda árvore ficasse suspensa no ar tempo o suficiente para que sua copa tombe para baixo. Fazendo do projétil algo parecido com um enorme pião. O grupo, sem entender o que ocorrera esboça um misto de surpresa e alívio com o que acontecia diante de seus olhos. Mas antes que qualquer questionamento fosse levantado, já tinham uma explicação do que ocorrera com uma leve vasculhada do que estava ao seu redor. 

À esquerda do velho que baixava o braço, um círculo de pálida luminosidade prateada ainda pairava no ar acompanhado de mais outros quatro com um oitavo do seu tamanho. Traços os preenchiam, magia formal fora praticada para tal feito ser alcançado.

- Rápido Narvat! Prepare-se! -  gritou o velho enquanto corria para a beira do abismo na direção da fera.
- Sim senhor! - respondeu dando um passo à frente da linha a fim de ter espaço para começar a desenhar no ar.

Ao chegar à beira do abismo o velho saltou com força e velocidade na direção da fera que agarrava mais uma árvore. Poucos metros depois de seu salto uma grande rajada de vento o impulsionou com mais vigor ainda. Estava tão rápido quanto uma flecha quando ao se aproximar do Dilacerador o grupo apenas conseguiu ver saindo de seu braço direito uma intensa e ruidosa luz, semelhante à um pequeno raio.

Girando no ar, o velho guzayo decapitou a fera que estava de costas para ele. Escorando-se sutilmente no enorme corpo ainda de pé, pode ainda pegar impulso para saltar distante o suficiente para não ser esmagado com a queda do monstro agora morto.

Resfolegante o ancião observava o corpo da enorme criatura caída sobre o solo distante da sua cabeça. Mesmo dentro de toda calmaria, existia uma pergunta que não parava de ecoar na mente do velho mestre, "porque um Dilacerador estava nos acatando com tanta determinação?", mas nem ele e nem nenhum de seus companheiros poderia responder esta pergunta.

- Mestre, o senhor está bem? - disse o primeiro soldado ao cruzar a ponte.
- Sim, não se preocupe. Estou velho mas já tive adversários mais difíceis que este. - respondeu com um sorriso amarelo a pergunta, não queria ter executado uma criatura ignorante.
- Como o senhor fez tudo aquilo e tão rápido? - insistiu o rapaz que parecia perguntar por todo o grupo.
- Meu avô era do esquadrão Ukuduma. - disse o capitão sem se virar enquanto observava agachado o corpo cinzento estirado no chão formando uma enorme poça de sangue ao seu redor.
- Então é por isso que o senhor tem uma lâmina ukukhanya! - disse uma das arqueiras que olhava fixamente para a manopla branca a amostra que, além de exibir uma lâmina quase do tamanho do braço do velho, ainda era ornada com diversos escritos. Seja lá qual fosse o passado deste homem, a mereceu. Nenhuma espécie no mundo conseguia usar uma arma desta se não tivesse sido feita exclusivamente para a pessoa.
- Os peco-peco estão bem? Temos que partir o quanto antes! - falou o velho enquanto limpava a lâmina suja de sangue.

Um a um, rumaram para a estreita e frágil ponte. Aguardando a travessia do outro devido o seu peso, o grupo aos poucos voltava para suas montarias que os aguardavam pacientemente próximos à árvore tombada do outro lado. A floresta voltara a ficar silenciosa e calma. O tempo ainda urgia, mas talvez deste ponto da jornada mais nenhuma ameaça os surpreenderia.

Deixando seu velho avô ir na frente a fim de protegê-lo enquanto se recuperava, o capitão fora o último a se encaminhar para ponte.

- Como pode esse Dilacerador ser tão agressivo com viajantes mestre?
- É uma boa pergunta. Nunca vi algo assim. Talvez ele estivesse... - quando um rosnado voltou a cortar o silêncio da noite.


Assustados, todo o grupo postou-se em alerta. O avô e o neto viraram-se na direção do som. A cabeça do Dilacerador, mesmo cortada do corpo, ainda mostrava a mesma determinação de ferir os viajantes.

sábado, 1 de março de 2014

[Guzayo~Parte~3]

O chão começava a vibrar, parecia que havia acordado de um longo estado de torpor e agora recuperava o fôlego. O barulho de galhos sendo quebrados começava a ser cada vez mais audível para toda a comitiva. Não era um trovão, mas algo poderoso, potencialmente fatal e aparentemente determinado.

- Corram! Vamos! Gritou o velho para todos que aguardavam ordens sobre o que fazer.

Seja lá o que fosse, não estava diminuindo seu ritmo.  Ignorava as árvores que transpunham o caminho, chocando-se contra elas e derrubando as de menor porte que postavam-se contra sua rota. A floresta revelava para o grupo uma de suas feras. Entretanto, os viajantes já experientes usavam todo o seu medo e força de suas montarias para ganhar distância pela estrada irregular. Sentados com os corpos inclinados, colocando suas cabeças ao lado dos pescoços longos de seus animais, o grupo não saia de formação em momento algum.

- Prestem atenção! - gritou o capitão com olhar fixo no caminho.
- Precisamos de espaço para ver o que é isso! - respondeu o velho mestre igualmente focado.
- Seja lá o que for, vai nos matar! - respondeu desesperada a guerreira do flanco esquerdo
- Rápido! Ele está chegando! - falava com uma voz abafada pelo manto a arqueira que ficara por último na formação.

Cada curva traçada era um convite para o choque entre a comitiva e a fera que aparentemente avançava em linha reta. O chão pisado, coberto com cascalho, galhos, folhas mortas e grama, virou uma escura estrada dentro de um mundo sombrio. Uma curva fechada para direita, e uma das grandes aves escorrega numa pedra mais lisa, o grupo consegue ver o guerreiro à esquerda começar a perder o controle. A àquela altura da corrida não era mais possível parar. O corpo saindo de lado na curva, o grupo acompanha-lo com os olhos, esperando uma reação que solucionasse de forma positiva a tragédia que se aproximava.
Ao chegar próximo da primeira árvore, o guerreiro estendeu sua mão como quem pega impulso numa parede. Uma forte rajada de vento o freia, evitando o choque eminente com alguma arvore. Logo seu o choboco, já acostumado com este tipo de situação entendeu que havia se safado. Tomou fôlego e quando pensava em demonstrar algum tipo alívio, o ruído das árvores sendo chocadas o fez lembrar que era preciso voltar a correr com o mesmo vigor de antes. 
A sorte parecia estar do lado dos fugitivos. Conseguiam ver de forma direta, com a ajuda da luz externa, uma estreita ponte. Feita de tábuas e cordas, ela os esperava no fim do caminho. Um sorriso de alívio e de determinação começava a tomar o rosto de cada um dos viajantes. Sabiam que seria a oportunidade perfeita para escapar e ainda descobrir a identidade de seu perseguidor.

- Não parem! Estamos quase lá! Quando chegarmos perto saltem com toda força! - falou o capitão enquanto estimulava sua montaria a colocar mais força nas passadas. Ser atacado por uma criatura grande, num espaço fechado seria a sentença de morte de todos ali.

Não demorou e logo a comitiva já havia saído da cobertura de árvores que os sufocava. O caminho estava livre até a frágil ponte que os aguardava. Debaixo dela, um fundo e escuro abismo era guardado. Independentemente do tamanho de seu perseguidor, seria impossível transpô-la sem não correr o risco de desabar.
Confiantes, a comitiva ignorava o fato de que a ponto não suportaria nenhuma das montarias. Em uma breve análise, era fácil constatar que estavam fadados à enfrentar seu perseguidor numa estreita faixa entre a queda e a floresta. A cada passo que davam, não demonstravam nenhum tipo de medo quanto ao abismo, estavam realmente dispostos a saltar.

- Vamos! – gritou o velho para os membros que estavam à sua frente.

Ao chegar no limiar do terreno, toda a comitiva vez o mesmo gesto visto dentro da floresta. Empurraram o ar como alguém que pega impulso em um objeto sólido. A forte rajada de vento emitida por cada um deles ajudou com que todas montarias saltassem bem mais longe do que era imaginado. Vencendo assim o obstáculo assassino de uma queda definitiva.
O pouso fora tranquilo. Não era novidade fazer este tipo de manobra para livrar-se de um perseguidor ou para abater um alvo. A única resposta que ficava agora era: Quando o mistério seria solucionado.

- Odeio esperar, cadê aquela coisa? – disse a última arqueira tirando o manto da cabeça e descobrindo a boca.
- Logo descobriremos. – respondeu o capitão com olhar concentrado na outra margem.
- Seja lá o que for, estamos fora do seu alcance. – comentou um dos soltados que estava na vanguarda.

As árvores mantinham sua agitação. Logo era possível ver o vulto da criatura que os perseguia. Durante todo este ponto da jornada. Boquiabertos com tamanho evento, alguns dos guerreiros não acreditava no que seus olhos mostravam. A floresta não poderia ter dado para o grupo algo tão terrível como teste.
Surgia assim uma criatura bípede gigantesca, resfolegante da corrida. Com corpo cinza e estrutura inclinada, sem nenhum tipo de pelo, ombros largos e musculosos braços, que de tão longos quase tocam o chão. Não possuía cavidade ocular, mas sua testa ostentava quatro pequenos olhos amarelos. Sua grande boca, de aparência poderosa, guardava dentes pequenos, mas compactos o suficiente para não poder serem contados.

Um Dilacerador nestas regiões? Como isso pode ter acontecido?

A fera inquieta não podia acreditar na barreira que estava entre ela e seu alvo. Caminhou vagarosamente até a ponta do penhasco e constatou que não poderia saltar na direção do grupo. A queda se não o matasse, iria deixa-lo consideravelmente ferido. Virou de costas para o grupo e em um súbito movimento abraçou uma árvore próxima, arrancando-a do chão.

- Mexam-se! Ele vai arremessá-la em nós! – gritou o capitão dando meia volta com seu passado.


Tarde demais. O Dilacerador já havia arremessado a árvore como um potente dardo gigantesco. O grupo não tinha mais opções. Seu último recurso era reuniu-se em volta do ancião a fim de protege-lo do impacto principal. A missão não poderia falhar. Seria impossível escapar do choque devido aos galhos presentes na copa. O fim havia chegado. 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

[Guzayo~Parte~2]

As montarias ignoravam o terreno molhado e a chuva ininterrupta. Ainda que a estrada estivesse molhada e suas curvas formassem uma tênue linha entre a montanha e sua encosta, não era possível diminuir o passo. O tempo urgia, era preciso correr.

O povo guzayo tinha a predileção por chocobos. Eram criaturas extremamente bem adaptadas ao clima desértico, precisando de pouca água e comendo tudo que se move, logo foram incorporadas as aldeias e caravanas. Suas potentes patas são capazes de grandes revoluções em combate e extrema estabilidade em qualquer tipo de terreno. Tanto para perseguições, quanto para o dia a dia, essas grandes aves são a principal forma de locomoção deste povo.

À medida que desciam a montanha, aproximavam-se mais e mais da sinistra floresta de Tumss. As árvores começavam a se tornar mais comuns, variando no tamanho e aumentando sua quantidade. Abrandando assim as poderosas rajadas de vento que os castigavam. Com o passar do tempo, cidade de Madeena era transformada aos poucos em um pequeno candelabro bruxuleante, pregado no topo da soturna montanha.

Densa e misteriosa, a floresta de Tumss era o lar de belezas e abominações dignas das histórias contadas para crianças na hora de dormir ou cantadas por bardos para forasteiros e nobres entediados. A trilha formada pelo constante vai e vem de pessoas acabou virando uma estrada informal, apenas a grama pisada apontava o caminho de outros que foram bem sucedidos em sua travessia.

Assim como um adulto que abraça uma criança, a comitiva foi cercada por todos os lados da trilha pela floresta. Suas árvores altas atrapalhavam qualquer claridade significativa de entrar, deixando pesados os pingos de chuva salpicar nos ombros e no chão. Uma perturbadora e constante sinfonia que os ocultava nas sombras, mas os atava de qualquer ataque surpresa.

- Atenção senhores, estamos em um terreno potencialmente hostil. Fiquem em formação, não saiam da trilha e qualquer movimentação suspeita reporte a todos! – Disse o capitão de forma preocupada, a floresta a noite era um desafio e tanto.

Dentro desta nova perspectiva, parte do grupo encontrava-se em um dilema, acender algo ou continuar confiando em seus instintos treinados. A floresta poderia estar parada com a forte chuva ou apenas aguardando a oportunidade para um bote fatal.


- Não gosto daqui no claro, imagine a noite. Comentou em voz baixa consigo mesmo um dos soldados do flanco esquerdo.
- Até as feras dormem filho - respondeu o líder da comitiva que ia a frente, formando um losango, enquanto ajeitava o escudo no braço.

Oculto pelo capuz, o velho mergulhado em pensamentos conjecturas, acompanhava tudo com pouca atenção enquanto toda a comitiva avançava de forma ligeira, alerta entre as árvores e a parede de sombras que seus galhos construíam.

Esse silêncio não é normal para esta parte da floresta, está tudo parado demais. Estamos muito dentro da mata para tamanha calmaria.

Não demorou muito para o grupo entrar na região de uma enorme clareira que surgia gradualmente. Com árvores antigas tombadas e que por conseqüência, derrubaram mais algumas outras que estavam na proximidade. Abrindo assim uma tampa para o céu. A chuva agora mais branda fazia do lugar um alento, uma dose de oxigênio para um mergulhador já extenuado de um longo mergulho nas sombras.

- Como é bom voltar a tomar chuva! - falou o jovem soldado que antes reclamara da floresta, levantando a viseira de seu elmo prateado com ornamentos azuis.
- Ver as nuvens já é um prêmio dentro desse mundo escuro - comentou a jovem arqueira atrás do velho.
- Silêncio! Algo estranho aconteceu aqui. Essa clareira não existia até dois dias quando passamos! Comentou em tom sério o capitão.

Estava oficialmente instaurado um estado de alerta em todos. É necessária muita força para derrubar uma árvore sem cortá-la, o que dirá de fazer uma clareira. Seja lá quem fossem os responsáveis por tal feito monstruoso, poderiam estar despertos e nas redondezas.

- Sigamos, não é hora de investigar nada. Independente de quem fez isso, não é de nossa alçada. Disse em tom de aviso ao capitão um dos soldados que seguiam com ele na dianteira.
- O que o senhor acha Mestre? - perguntou um dos soldados.
- Que seu amigo está certo. Vamos!

Mal a frenética caminhada iniciou-se e a clareira acabara de ficar para trás como a lembrança de um agradável dia de verão frente a penumbra implacável que os cercavam, os salpicos de chuva já eram desprezíveis. Talvez pelo costume ou pela perda de vigor da tormenta.

Todo o grupo parou em choque quando o enorme e dominador rugido de um trovão os surpreendeu pela retaguarda. Os peco-pecos deram um leve salto de susto, alguns guardas encolheram-se protegendo a cabeça.


- Homens, isso é apenas um trovão! Disse de forma dura o capitão.
- Sem raio? Perguntou uma das arqueiras.