A
porta é aberta lentamente. Uma enfermeira consideravelmente baixa, de cabelo
ruivo curto, óculos grandes o suficiente para encostar em suas sobrancelhas, lidera
o grupo de quatro rostos familiares. Conforme entravam no cômodo desfaziam a
linha vertical para uma horizontal. Paralelos à parede do fundo, todos me
olhavam sem dizer uma só palavra. Pareciam exaustos da sua vigília desde o
ataque ao trem.
De
pele morena, olhos castanhos escuros e cabelo cacheado, minha mãe estava agarrada no braço do meu
pai. Seus olhos marejados, nariz avermelhado denunciavam a preocupação frente
ao ocorrido. Meu pai, um homem negro, baixo, de nariz largo e bigode sorria
para mim com alivio, o terno amarrotado, a gravata na mão e olheiras dignas de
quem não dorme há algum tempo. Ao seu lado estava o seu próprio pai, meu avô,
com cabelos brancos, barba rala e óculos e uma bengala não demonstrava emoção
alguma. Meu irmão mais novo, com boné para trás, bermuda, óculos escuros e um
sorriso na cara não se conteve:
-
Mas
você é um cagão, heim! – falou rindo e quebrando o silêncio.
-
Seria
mais ainda se não tivesse uma mala que nem você como irmão! – respondi já me
sentando na cama e atraindo a aproximação de todos. – Enfermeira, posso ficar
com meus pais?
- Claro meu jovem, qualquer coisa é
só chamar. Estarei lá fora. – falou a mulher enquanto saia do quarto. Seu
sorriso era tão bonito que não parecia habitar aquele semblante sisudo.
Assim
que a porta bateu os indivíduos colocaram-se em ação. Minha mãe soltou o braço
do meu pai e partiu para me abraçar. Meu irmão e meu pai foram para o lado
contrário. Meu avô mante-se imóvel, observando a movimentação dos indivíduos
eufóricos escorou sua tradicional bengala na cama. Ainda que a idade estivesse
avançada, sua percepção do mundo e suas ultimas mudanças não o tiraram o senso
crítico.
-
Meu
filho, você lembra o que aconteceu contigo? – perguntou o velho cruzando os braços.
-
Quase nada. Foi tudo tão rápido. –
menti, tinha medo de me envolver.
-
Mais de 100 pessoas morreram naquela
noite e você não lembra de nada? – insistiu.
-
Pai, deixa Hadassa. Ele está sofrendo
de algum choque pós-teaumatico. – falou minha mãe na autoridade de especialista
na área.
-
As pessoas precisam de respostas! –
respondeu levantando a voz e jogando o jornal no meu colo.
O jornal exibia fotos em baixa
resolução do ataque. Uma sombra relativamente pequena, se comparada com o
enorme corpo metálico de um trem, jogava faíscas na direção do vagão escuro. Uma
tarja preta com os seguintes dizeres em um lilás bem claro dizia “Ainda perto
de nós”. Os novos habitantes protagonizavam cada vez mais histórias. Boas ou
ruins, acabaram colocando a sociedade em dois lados: um que os abominavam e
outro que os idolatravam.